segunda-feira, julho 10, 2006

Com a devida vénia ao Abrupto




A vazia sandália de S. Francisco



A gratidão da macieira e a amnésia do gato
nunca pautaram o curso dos meus dias.
“Fiquem onde estão!”,
foi a minha ordem para a macieira e para o gato,
ainda bem exteriores ao meu fraco por eles.


Salvei-os (e salvei-me!) de uma fábula
cuja moral necessariamente devia ser eu, o parlante
amigo de macieiras e conhecido de gatos.


Dá um certo desconforto malbaratar assim amigos
em dois reinos da natureza.
Mas também dá liberdade.


Há uma gente que desponta do outro lado do vale.
Está a correr para cá.
São os meus semelhantes.
Com eles vou desentender-me (mais que certo!),
mas a ideia que deles façoé ainda um laço.
Repousem em paz as macieiras e os gatos.

(Alexandre O'Neill)

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