Augusto Gil
[Porto, 1873-1929]
Art. 1056º do Código Civil
Oiça, vizinha: o melhor
É combinarmos o modo
De acabar com este amor
Que me toma o tempo todo
Passo os meus dias a vê-la
Bordar ao pé da sacada.
Não me tiro da janela,
Não leio, não faço nada…
O seu trabalho é mais brando,
Não lhe prende o pensamento,
Vai conversando, bordando,
E acirrando o meu tormento…
O meu não: abro um artigo
De lei, mas nunca o acabo,
Pois dou de cara consigo
E mando as leis ao diabo.
Ao diabo mando as leis
Com excepção dum artigo:
O mil e cinquenta e seis…
Quer conhecê-lo? Eu lhe digo:
«Casamento é um contrato
Perpétuo». Este adjectivo
Transmuda o mais lindo pacto
No assunto mais repulsivo.
«Perpétuo». Repare bem
Que artigo cheio de puas.
Ainda se não fosse além
Duma semana, ou de duas…
Olhe: tivesse eu mandato
De legislar e poria:
Casamento é um contrato
Duma hora – até um dia…
Mas não tenho. É pois melhor
Combinarmos algum modo
De acabar com este amor
Que me toma o tempo todo.
segunda-feira, maio 22, 2006
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1 comentário:
Quem foi o arguto, o plumitivo ou, quiçás, o praeclaro - que pôs este singular, quanto delicioso art.º 1056? Ou será que me enganei (como muitas vezes acontece...) e foi uma avezinha que "postou" este delicioso poema deste nosso Augusto poeta?
J.Albergaria
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