terça-feira, junho 17, 2008

Eu, ex-quase tudo, me confesso!

Cavalgando a teoria redentora, a que tudo interpretava, a que tudo descodificava e denunciava, e fazia-o de modo a podermos transformar o mundo, milhares de homens e mulheres lançaram-se à conquista dos céus. Nesse exército eu me inclui durante decénios.
Sabe-se que, em vida de Marx, à questão "se ele era marxista" terá respondido:"Não tenho a certeza".
Comemora-se, nas barricadas comunistas, nestes dias, um aniversário qualquer do Manifesto Comunista. Este texto teve a importância que teve e não é meu propósito aqui discorrer sobre tal.

Importa, hoje, interrogar-me sobre a minha própria deriva "ideológica", "utópica" e, dalgum modo, "ucrónica".

Que me lembre, fui militante comunista na década de sessenta em Portugal, pendurei-me nas barricadas parisienses, no Maio de 68, enfileirei-me, informalmente, no movimento operário católico belga e dedilhei teoria do foco guevarista até ao dia redentor: 25 de Abril 1974! Depois...depois disso aproximei-me do PC onde militei severamente, mas sempre (internamente...) livre pensador e "liberal", anti-estalinista convicto e nunca envergonhado (esse foi o meu compromisso individual, comigo mesmo, mas sempre cúmplice do projecto global do PC). Saí sem bater com portas, em silêncio.

Hoje deambulo pela chamada esquerda democrática, mas sem convicções ou certezas ideológicas, a intervir politicamente (ao modo dos gregos - na polis), fazendo coisas num território municipal, a Amadora, faz quase doze anos. Com o meu contributo -melhorando o espaço público, requalificando o parque escolar, criando ferramentas e projectos para erradicar a pobreza e qualificar os activos humanos.... e, individualmente, dirigindo um Centro de Ciência Viva, participando em órgãos sociais das duas maiores colectividades da cidade e, cuidando da minha formação intelectual, a terminar um curso de história.

Cultuo ainda duas tertúlias, uma de amesendação e degustação báquica e, outra de preocupações humanísticas e espirituais.

Direi mesmo que, hoje, não só não tenho ideologia - como rejeito, por utópica, qualquer ideologia de pensamento ÚNICO: ando a encontrar coisas muito interessantes e em muita gente!

Hoje sou, sem sombra de dúvidas e hesitações - um homem livre, livre pensador e, sobretudo, livre examinista: o meu único guia? a minha consciência! É por isto que continuo a gostar da Internacional que diz, algures: "Messias, Deus, chefes supremos/Nada esperamos de nenhum!"

Começámos, todos os que saímos do comunismo, por fazer a critica a Estaline e ao seu embuste, o estalinismo e o comunismo na Rússia; depois, alguns de nós, atrevemo-nos a buscar em Lenine as razões, as causas, as teses que explicam o que sucedeu na Rússia e em quase TODO o século XX e em quase TODO o planeta.

Hoje, a minha preocupação, é tentar colocar o MARXISMO na posição que merece e que a historiografia, não só a das ideias, está em passe de lho atribuir.(...).

Em livro de Dietrich Schwanitz, Cultura: tudo o que é preciso saber, editado pelas Publicações Dom Quixote, pode ler-se: "Trata-se de exploração porque os capitalistas não pagam aos trabalhadores o valor real do seu trabalho, mas apenas um mínimo estritamente necessário à sobrevivência, embolsando a chamada mais-valia, hoje mais conhecida por valor acrescentado, como seu proveito. Esta tarefa é-lhe facilitada pelo facto de difundirem ideologias que obnubilam a realidade, tais como a das [leis objectivas do mercado]; e como o dinheiro baralha o sentido para os valores, o preço duma mercadoria confunde-se com o seu valor real. Na realidade, porém, ele não passa de mais uma forma de encobrimento de relações de produção injustas. A primeira tarefa do marxista consiste, por isso, na destruição das aparências ideológicas. O modo de reconhecer as ideologias como tais, na opinião de Marx, consiste no facto de os capitalistas venderem os seus interesses de classe como se do interesse de toda a sociedade se tratasse. Por isso, toda a cultura burguesa torna-se suspeita. E assim o marxismo converte-se na alta escola do desmascaramento. Os sistemas simbólicos da civilização são postos a nu. Isto produziu gerações inteiras de detectives que desmascaram Deus e o mundo e fizeram da prova da culpabilidade de opressores encobertos a sua ocupação principal. A suspeita ideológica universal dotou o marxismo de um sistema imunológico, porque converteu qualquer opositor num caso de aplicação da teoria: quem está contra, ou é inimigo de classe ou é vitima da obnubilação ideológica."
Creio eu que, muitos de nós, ex-comunistas já não somos estalinistas (sem sombra de dúvidas); alguns de nós, já abandonámos o Leninismo; mas, quantos de nós colocámos em questão Marx e o marxismo?!...
Hoje, para mim, não se pode compreender as derivas das religiões do Livro (Judaísmo, Cristianismo, Islamismo) sem questionarmos os "Pais" fundadores daquelas! Particularmente, no caso de Cristianismo, não possível perceber as malfeitorias da Igreja Católica sem interpelar Cristo e as suas injunções. Ou é possível deixá-lo de fora? Creio que não.
Mutatis mutandi, creio eu, que a mesma metodologia se deverá aplicar a Marx. Em toda a extensão da sua teoria? Não sei. Mas, o que penso que, definitivamente, já sei: o que fizeram os seus apóstolos (Lenine, Estaline, Mao e etc...), usando e, provavelmente, abusando das suas teorias, já a história condenou. Isso eu já sei.
Agora, neste interime, tento aprender mais:interrogando-me e interpelando os textos doutros e dos marxistas...também.
Como diz o meu amigo Pedro Castelhano: " O muito sábio não é o que muito sabe...mas, outrossim, o que muito quer aprender."

JA


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