Li a recensão que dele fez o Expresso, José Mário Silva.
Globalmente, a critica é certeira e merece o meu assentimento. Contudo, já discordo quando aquele se lhe refere, ao livro de FNV, nos seguintes termos:"Talvez por isso, FNV recorre, de um modo sistemático (e em certos casos excessivo), a inúmeras referências filosóficas e literárias...)" O que espanta , neste caso, é que é o próprio FNV a avisar, na espécie de prefácio a que ele chama Incubação:"Se nestas histórias aparecem referências literárias e filosóficas (...) O meu trabalho -tentar ajudar quem perdeu (ou quem se perdeu)-exige muito mais que o manuseio de meia dúzia de técnicas psicopterapeûticas. Ao longo dos anos fui-me socorrendo do que leio e do que aprendo, de quem sabe muito."
Este livro fala do tempo, da inexorabilidade da finitude, da perda e, ainda assim da morte.
Eu, que perdi dois filhos (um, por adopção e outro, de sangue) percebi, mesmo muito bem, a espantosa Definição, a página 83,sem referentes literários e/ou filosóficos, mas de um irredutível impacte:"Não deve ser nada de inultrapassável, todos os dias milhares de pais vêem morrer os seus filhos. Algum tempo depois voltam a rir, a trabalhar, a fazer sexo convictamente, a ir de férias. Pois voltam: mas já não são os mesmos."
Só por esta Definição teria comprado o livro. Somente por esta Definição teria lido o livro. Exclusivamente, por esta Definição teria falado do livro, aqui e agora.
O livro é, no entanto, bastante mais do que isto. Mesmo muito mais que isto.
FNV fala muito, e ainda, da velhice (não fosse ele um cultor das literaturas clássicas!), do tempo, da vida como tragédia, do desconcerto da relativização das coisas.
Ele há duas frases que eu gosto de utilizar nestas circunstâncias e nestes temas:
1/ Os velhos já não têm futuro, caminham para ele às arrecuas - porque só conseguem vislumbrar o passado. Aqui, nem o pensamento de Séneca, a que FNV recorre no seu livro "Só podemos estar seguros do nosso passado" tem algum tipo de efeito balsâmico;
2/Ninguém quer chegar a velho, nem morrer novo.
Em meu entendimento, depois de se ler este singular livro, saboreia-se bem melhor a prosa e os postes de FNV, no incontornável Mar Salgado.
Zé Albergaria
Adenda
O titulo é uma citação, de memória e livre, dum poema do Pessoa.
Ele há uma coisa que me intriga. Diz-se, dum homem que perdeu mulher, por morte, que é viúvo; diz-se, duma criança, que perdeu pai, por morte, que é órfão,
E, quem perdeu filho, por morte, como se diz?
Não se diz.
Porquê?
Talvez por que seja inominável tal occorrência...
Contudo, em francês diz-se: "un pére desenfanté"!
Ele há mistérios que só os linguístas e um qualquer psi podem explicar. Pode ser. Vou acreditar que sim.
2 comentários:
Então somos uma espécie de irmãos.
Assim parece.
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