domingo, maio 11, 2008

Já tomou o seu "Maio de 68", hoje?!..

Nestas quarenta primaveras (não misturar com a Primavera de Praga, com os acontecimentos da Praça das Três Culturas, na cidade do México, onde foram assasssinados dezenas de estudantes...e, menos ainda com os acontecimentos notáveis de Berlim, dirigidos pelo alemão Rudy Dutcher [?]...) do Maio de 68, parisiense, francês, pôs-se uma mesa enorme, com uma pantagruélica "bouffe" de dossiers, revistas, testemunhos, programas de Radio, de TV's, colóquios e, naturalmente, a nossa blogosfera "perdeu a cabeça" em confronto com estas iguarias...
Neste momento ele há mesmo gente que se zangou: "a partir de agora, só imagens e sons...opiniões, népia!". Ele há, mesmo, gente que perdeu a tramontana (sabiam que é quando, em rigor, se perde o Norte [não estou sequer a pensar nos 2 anos de propedeûtico aplicados ao senhor Jorge Nuno do FCP...] e a Estrela Polar!) e zurze, a torto e a direito, esgrimindo argumentos como quem lançava "pavès" no BouleMich - em direcção às cabeças dos CRS's!
Ultimamente, fui "apanhado": por dois textos deveras interessantes, por um "dossier" e, sobretudo, por uma "piéce de resistance" de se lhe tirar o chapéu.
O primeiro dossier, publicado pelo Público a 2 de Maio e coordenado por Miguel Gaspar; a "piéce de resistance", assinada no Expresso de dia 3 de Maio, por um dos mais atentos observadores dos acontecimentos (naquela época era jornalista na ORTF e delegado sindical dos Sindicato dos Jornalistas, nem CGT, nem FO, nem CFDT...independentes), José Gabriel Viegas, a que chamou "O Caminho das Utopias".

Os textos, surpreendentes:
1/ Numa recensão de Pierre Assouline, jornalista de le Monde e com um site e blog, La République des Livres;
2/ Num livro incontornável, CULTURA, de Dietrich Schwantnitz.

Comecemos por Pierre Assouline. O filho, Doug Headline, dum dos meus autores de culto (mas que não visito faz muito tempo...), Manchette, decide publicar, na casa Gallimard, as memórias que o pai deixou escritas, para ulterior edição. Pierre Assouline fez a recensão critica da obra.
É um pedaço dessa prosa que aqui deixo:"Six ou sept pages à peine. Ni plus ni moins. Six ou sept pages sur 635. C’est toute la place qu’occupe Mai 68 dans le Journal 1966-1974 (édité par son fils Doug Headline, Gallimard) de Jean-Patrick Manchette. Ce qui s’appelle remettre les choses à leur vraie place. L’impression est d’autant plus étrange que l’un des événements qui m’ont le plus marqué, non de ce moment-là mais de cette époque-là, c’est justement la découverte de ses romans Laissez bronzer les cadavres, L’Affaire N’Gustro, O dingos, ô chateaux !, Nada et, presque dix ans après, Le petit bleu de la côte ouest. Alors, son Journal en mai 68 ? “Bordel social et politique… grève générale… situation prérévolutionnaire” (23 mai) “Quant à la révolution, elle marque le pas. Elle est devenue triste. Les dernières émeutes sont vides de sens évident. Les syndicats négocient. Des élections législatives dans quelques jours. A quoi s’attendre ? Tout recommencera à l’automne, sans doute, s’il n’y a pas d’éléments nouveaux” (14 juin)… Les lendemains vont brailler sévère (28 juin)… La lutte électorale entre gauche et droite est dépourvue d’intérêt. La nouvelle révolution n’est pas en mesure à ce jour d’avoir d’expression électorale (29 juin)”. Voilà, c’est bien suffisant. De quoi ramener les événements à leur juste proportion, balayer l’infantile nostalgie soixantehuitarde qui encombre actuellement les librairies et passer à l’essentiel. " Disse...Pierre Assouline.
Agora vamos ao alemão, Dietrich Schwanitz. No livro acima referido, no capitulo V, dedicado aos grandes filósofos, ideólogos, teorias e representações científicas do mundo, ele dedica uma "entrada" à "Escola de Frankfurt - teoria crítica da sociedade". O Instituto de Investigação Social de Frankefurt, antes da 2.ª Guerra Mundial produziu notávies pensadores: Horkheimer, Adorno e Marcuse. Os dois primeiros voltaram, depois da guerra (aliás, como a judia Hannah Arendt) á Alemanha. Marcuse ficou nos USA. Afirma DS que, para além de Marx e Freud, foram estes pensadores que mais marcaram de modo inspirador as "revoltas" de Maio 68. Sustenta DS que os pensamentos de Adorno e Marcuse se contradiziam. A Adorno, DS, compara-o a Charles Dickens. Este, tal como aquele, nosso contemporâneo, defendia reformas e correcções, mas fustigava os lugares onde elas podiam ocorrer: as prisões, os hospitais, os reformatórios, as escolas, a burocracia. Adorno e Horkheimer teorizaram muito sobre o fascismo/nazismo. Fazem, de resto, uma abordagem singularissima na obra conjunta: A Dialéctica do Iluminismo. A racionalidade do iluminismo, por via da disciplina vai aliar-se a máxima irracionalidade e em cujo entrosamento com a violência mítica vai expressar-se de modo "espantosamente" evidente a fábrica de morte de Auschwitz! Este entrosamento atravessa toda a nossa cultura moderna, a nossa linguagem e os nossos sistemas simbólicos. Adorno não se implica na acção política dos estudantes e tornou-se até alvo das suas críticas, às quais vai mesmo sucumbir. Em 69 (segundo afirmam alguns) é vitima dum ataque cardíaco de consequências mortais...
Marcuse faz uma outra abordagem (inspiradora dos estudantes...de alguns, entenda-se, mas que ganharam preponderância na "condução" dos vários movimentos...), distinta daquela de Adorno. Este "americano" afirma que o capitalismo tardio assemelha-se ao fascismo na medida em que ambos congelavam os conflitos sociais e integravam a sociedade: mas aquilo que o fascismo tinha obtido pelo terror, este capitalismo conseguia-o pela manipulação universal através da industria cultural (este conceito é comum a TODOS os que integram esta escola de pensamento). Como esta metodologia é soporifera e transversal a toda a sociedade, Marcuse atribuia o papel de portador da acção revolucionária àqueles que ainda não se encontravam completamente formados e estupidificados: os estudantes!
Esta formulação deu várias teses e discussões que ainda, hoje, estão longe de estarem encerradas.
Adorno, permitia perceber que tudo se podia desmascarar como fascismo; com Marcuse podia-se sair dele.Com Adorno olhava-se para Auschwitz; com Marcuse, os estudantes fitavam para o futuro, sedentos de passarem à acção, animados pelo optimismo da riqueza. A escola de Frankfurt tentou operar a fusão entre o marxismo e a psicanálise, integrando conceitos de cada uma das teorias: latente, oculto, velado, recalcado, reprimido, mediata, etc. Adorno tem uma máxima, que é TODO um programa: "Não há vida verdadeira no falso." Jürgem Habermas, aluno e prócere de Adorno, vai operar, investigando as condições ideais para a comunicação, elevando-a a pressuposto transcendental da comunicação democrática (vidé Kant, com os seus imperativos categóricos...) uma fusão deveras interessante. Com esta atitude, Habermas aproximou-se da verdadeira função que a escola de Frankfurt teve na história da RFA: o nascimento de uma opinião crítica! Hoje a Alemanha, unificada, não se compreenderia sem o "apport" desta escola de Frankfurt , da reunificação por integração da DDR, industrial e desenvolvida culturalmente.
Esta é uma outra possibilidade de ir a Maio 68: pelo lado da filosofia, das linguagens, hoje completamente fora de prazo, mas ainda em uso pelos velhos activistas de Maio 68... espreite-se a nossa blogoesfera e percebe-se logo.
E o José Gabriel Viegas onde fica, no meio de tudo isto?
Num dos textos mais interessantes e sagazes de que tive conhecimento, permito-me citar o que ele remete para outros, para deixar o desejo de lerem a prosa, a dele mesmo, JGV:
"Maio também foi isso, milhentas histórias e anedotas de um periodo em que as pessoas se falavam e pareciam inusitadamente felizes. Um período muito especial e único, muito bem compreendido e descrito por (imagine-se) Maurice Grimaud, então prefeito da polícia de Paris: [ Maio de 68 foi o encontro - impossível em tempos normais - da frança de [baixo] e de uma parte das elites. Mais do que um grande protesto estudantil, foi sobretudo uma mistura incrível. Prémios Nobel desfilavam com Daniel Cohn-Bendit, quadros superiores ocupavam fábricas com operários, sindicatos de professores universitários eram solidários com movimentos contestatários(...)] Maio de 68 chegou a ser isso. O problema é que, como disse Pacheco Pereira, [num mundo menos tolerante e pobre, o adquirido de Maio de 1968 não sobrevive, nem em Paris, nem em Londres, Nem em Nova Iorque.É isso.]"

E mais não direi, nem citarei, nem apostrofarei, nem invectivarei quem quer que seja sobre o que ocorreu, nos meus verdes e sonhadores vinte anos, em Paris, no ano do senhor, de 1968. Por que, esse, foi o "meu" Maio de 68 e, por isso mesmo, de modo egótico, não o partilharei com quem quer que seja...excepto com Carolina, a minha "irmã" mexicana que comigo dividiu os infaustos acontecimentos de 1968, da Praça de Tlatelolco, ou das Três Culturas (asteca, colonial e moderna), ao tempo do Presidente Echevarria (quem fala nisto?...) e TODOS os sonhos do mundo que então nos habitavam!...

JA

3 comentários:

António Eduardo Lico disse...

Marcuse, quem dele hoje fala? Fala-se de Adorno, que foi criticado por muitos dos intervenientes do Maio de 68. Marcuse, era o profeta. foi esquecido. Porque seria? Anos depois daqueles de 68, veio a lume que o profeta Marcuse afinal trabalhava para o Governo Americano. Era preciso que fosse varrido. E foi. Dele nada resta.

Aqueduto Livre disse...

Caro António,

Não será bem assim, creio eu, dado que, depois de 1968, na Europa, particularmente, ocorreram muítas e variadas coisas...a implosão do Pacto de Varsóvia,a unificação da Alemanha (despareceram a RFA e a DDR) a morte do bloco comunista, não foi, por certo, o menos importante!

Os pensadores, os que importam, deixam sulcos, marcas, em várias geografias. Umas vezes, é na sociedade; outras, nos povos; além, nas universidades...Às vezes mudam o nosso modo de olhar o mundo, escaqueiram a Moral antiga,contribuem para a emergência de novos paradigmas...

Eu não quiz debater, nem filosofia, nem sequer a importância da Escola de Frankefurt.

Quiz, sómente, sinalizar que, Maio de 68 pode, e deve, ser olhado, também, por este prisma.

Não lhe parece?

Zé Albergaria

António Eduardo Lico disse...

Meu Caro Zé Albergaria,
Na verdade eu gostei do artigo, e li-o com muito agrado e até alguma nostalgia. O artigo está bem feito, sem dúvida. Nada de especial me move contra a Escola de Frakfurt.
Move-me sim algo contra um tal Herbert Marcuse, e os muitos Marcuses que porventura existem por esse mundo fora.
Também tive o meu Maio de 68, como muita gente, esse foi talvez o aspecto mais positivo do Maio de 68; cada qual teve o seu Maio.
Atentamente, um leitor devotado do blog.
António Eduardo Lico.