Neste momento ele há mesmo gente que se zangou: "a partir de agora, só imagens e sons...opiniões, népia!". Ele há, mesmo, gente que perdeu a tramontana (sabiam que é quando, em rigor, se perde o Norte [não estou sequer a pensar nos 2 anos de propedeûtico aplicados ao senhor Jorge Nuno do FCP...] e a Estrela Polar!) e zurze, a torto e a direito, esgrimindo argumentos como quem lançava "pavès" no BouleMich - em direcção às cabeças dos CRS's!
Ultimamente, fui "apanhado": por dois textos deveras interessantes, por um "dossier" e, sobretudo, por uma "piéce de resistance" de se lhe tirar o chapéu.
O primeiro dossier, publicado pelo Público a 2 de Maio e coordenado por Miguel Gaspar; a "piéce de resistance", assinada no Expresso de dia 3 de Maio, por um dos mais atentos observadores dos acontecimentos (naquela época era jornalista na ORTF e delegado sindical dos Sindicato dos Jornalistas, nem CGT, nem FO, nem CFDT...independentes), José Gabriel Viegas, a que chamou "O Caminho das Utopias".
Os textos, surpreendentes:
1/ Numa recensão de Pierre Assouline, jornalista de le Monde e com um site e blog, La République des Livres;
2/ Num livro incontornável, CULTURA, de Dietrich Schwantnitz.
Comecemos por Pierre Assouline. O filho, Doug Headline, dum dos meus autores de culto (mas que não visito faz muito tempo...), Manchette, decide publicar, na casa Gallimard, as memórias que o pai deixou escritas, para ulterior edição. Pierre Assouline fez a recensão critica da obra.
É um pedaço dessa prosa que aqui deixo:"Six ou sept pages à peine. Ni plus ni moins. Six ou sept pages sur 635. C’est toute la place qu’occupe Mai 68 dans le Journal 1966-1974 (édité par son fils Doug Headline, Gallimard) de Jean-Patrick Manchette. Ce qui s’appelle remettre les choses à leur vraie place. L’impression est d’autant plus étrange que l’un des événements qui m’ont le plus marqué, non de ce moment-là mais de cette époque-là, c’est justement la découverte de ses romans Laissez bronzer les cadavres, L’Affaire N’Gustro, O dingos, ô chateaux !, Nada et, presque dix ans après, Le petit bleu de la côte ouest. Alors, son Journal en mai 68 ? “Bordel social et politique… grève générale… situation prérévolutionnaire” (23 mai) “Quant à la révolution, elle marque le pas. Elle est devenue triste. Les dernières émeutes sont vides de sens évident. Les syndicats négocient. Des élections législatives dans quelques jours. A quoi s’attendre ? Tout recommencera à l’automne, sans doute, s’il n’y a pas d’éléments nouveaux” (14 juin)… Les lendemains vont brailler sévère (28 juin)… La lutte électorale entre gauche et droite est dépourvue d’intérêt. La nouvelle révolution n’est pas en mesure à ce jour d’avoir d’expression électorale (29 juin)”. Voilà, c’est bien suffisant. De quoi ramener les événements à leur juste proportion, balayer l’infantile nostalgie soixantehuitarde qui encombre actuellement les librairies et passer à l’essentiel. " Disse...Pierre Assouline.
Agora vamos ao alemão, Dietrich Schwanitz. No livro acima referido, no capitulo V, dedicado aos grandes filósofos, ideólogos, teorias e representações científicas do mundo, ele dedica uma "entrada" à "Escola de Frankfurt - teoria crítica da sociedade". O Instituto de Investigação Social de Frankefurt, antes da 2.ª Guerra Mundial produziu notávies pensadores: Horkheimer, Adorno e Marcuse. Os dois primeiros voltaram, depois da guerra (aliás, como a judia Hannah Arendt) á Alemanha. Marcuse ficou nos USA. Afirma DS que, para além de Marx e Freud, foram estes pensadores que mais marcaram de modo inspirador as "revoltas" de Maio 68. Sustenta DS que os pensamentos de Adorno e Marcuse se contradiziam. A Adorno, DS, compara-o a Charles Dickens. Este, tal como aquele, nosso contemporâneo, defendia reformas e correcções, mas fustigava os lugares onde elas podiam ocorrer: as prisões, os hospitais, os reformatórios, as escolas, a burocracia. Adorno e Horkheimer teorizaram muito sobre o fascismo/nazismo. Fazem, de resto, uma abordagem singularissima na obra conjunta: A Dialéctica do Iluminismo. A racionalidade do iluminismo, por via da disciplina vai aliar-se a máxima irracionalidade e em cujo entrosamento com a violência mítica vai expressar-se de modo "espantosamente" evidente a fábrica de morte de Auschwitz! Este entrosamento atravessa toda a nossa cultura moderna, a nossa linguagem e os nossos sistemas simbólicos. Adorno não se implica na acção política dos estudantes e tornou-se até alvo das suas críticas, às quais vai mesmo sucumbir. Em 69 (segundo afirmam alguns) é vitima dum ataque cardíaco de consequências mortais...
Marcuse faz uma outra abordagem (inspiradora dos estudantes...de alguns, entenda-se, mas que ganharam preponderância na "condução" dos vários movimentos...), distinta daquela de Adorno. Este "americano" afirma que o capitalismo tardio assemelha-se ao fascismo na medida em que ambos congelavam os conflitos sociais e integravam a sociedade: mas aquilo que o fascismo tinha obtido pelo terror, este capitalismo conseguia-o pela manipulação universal através da industria cultural (este conceito é comum a TODOS os que integram esta escola de pensamento). Como esta metodologia é soporifera e transversal a toda a sociedade, Marcuse atribuia o papel de portador da acção revolucionária àqueles que ainda não se encontravam completamente formados e estupidificados: os estudantes!
Esta formulação deu várias teses e discussões que ainda, hoje, estão longe de estarem encerradas.
Adorno, permitia perceber que tudo se podia desmascarar como fascismo; com Marcuse podia-se sair dele.Com Adorno olhava-se para Auschwitz; com Marcuse, os estudantes fitavam para o futuro, sedentos de passarem à acção, animados pelo optimismo da riqueza. A escola de Frankfurt tentou operar a fusão entre o marxismo e a psicanálise, integrando conceitos de cada uma das teorias: latente, oculto, velado, recalcado, reprimido, mediata, etc. Adorno tem uma máxima, que é TODO um programa: "Não há vida verdadeira no falso." Jürgem Habermas, aluno e prócere de Adorno, vai operar, investigando as condições ideais para a comunicação, elevando-a a pressuposto transcendental da comunicação democrática (vidé Kant, com os seus imperativos categóricos...) uma fusão deveras interessante. Com esta atitude, Habermas aproximou-se da verdadeira função que a escola de Frankfurt teve na história da RFA: o nascimento de uma opinião crítica! Hoje a Alemanha, unificada, não se compreenderia sem o "apport" desta escola de Frankfurt , da reunificação por integração da DDR, industrial e desenvolvida culturalmente.
Esta é uma outra possibilidade de ir a Maio 68: pelo lado da filosofia, das linguagens, hoje completamente fora de prazo, mas ainda em uso pelos velhos activistas de Maio 68... espreite-se a nossa blogoesfera e percebe-se logo.
E o José Gabriel Viegas onde fica, no meio de tudo isto?
Num dos textos mais interessantes e sagazes de que tive conhecimento, permito-me citar o que ele remete para outros, para deixar o desejo de lerem a prosa, a dele mesmo, JGV:
"Maio também foi isso, milhentas histórias e anedotas de um periodo em que as pessoas se falavam e pareciam inusitadamente felizes. Um período muito especial e único, muito bem compreendido e descrito por (imagine-se) Maurice Grimaud, então prefeito da polícia de Paris: [ Maio de 68 foi o encontro - impossível em tempos normais - da frança de [baixo] e de uma parte das elites. Mais do que um grande protesto estudantil, foi sobretudo uma mistura incrível. Prémios Nobel desfilavam com Daniel Cohn-Bendit, quadros superiores ocupavam fábricas com operários, sindicatos de professores universitários eram solidários com movimentos contestatários(...)] Maio de 68 chegou a ser isso. O problema é que, como disse Pacheco Pereira, [num mundo menos tolerante e pobre, o adquirido de Maio de 1968 não sobrevive, nem em Paris, nem em Londres, Nem em Nova Iorque.É isso.]"
E mais não direi, nem citarei, nem apostrofarei, nem invectivarei quem quer que seja sobre o que ocorreu, nos meus verdes e sonhadores vinte anos, em Paris, no ano do senhor, de 1968. Por que, esse, foi o "meu" Maio de 68 e, por isso mesmo, de modo egótico, não o partilharei com quem quer que seja...excepto com Carolina, a minha "irmã" mexicana que comigo dividiu os infaustos acontecimentos de 1968, da Praça de Tlatelolco, ou das Três Culturas (asteca, colonial e moderna), ao tempo do Presidente Echevarria (quem fala nisto?...) e TODOS os sonhos do mundo que então nos habitavam!...
JA
3 comentários:
Marcuse, quem dele hoje fala? Fala-se de Adorno, que foi criticado por muitos dos intervenientes do Maio de 68. Marcuse, era o profeta. foi esquecido. Porque seria? Anos depois daqueles de 68, veio a lume que o profeta Marcuse afinal trabalhava para o Governo Americano. Era preciso que fosse varrido. E foi. Dele nada resta.
Caro António,
Não será bem assim, creio eu, dado que, depois de 1968, na Europa, particularmente, ocorreram muítas e variadas coisas...a implosão do Pacto de Varsóvia,a unificação da Alemanha (despareceram a RFA e a DDR) a morte do bloco comunista, não foi, por certo, o menos importante!
Os pensadores, os que importam, deixam sulcos, marcas, em várias geografias. Umas vezes, é na sociedade; outras, nos povos; além, nas universidades...Às vezes mudam o nosso modo de olhar o mundo, escaqueiram a Moral antiga,contribuem para a emergência de novos paradigmas...
Eu não quiz debater, nem filosofia, nem sequer a importância da Escola de Frankefurt.
Quiz, sómente, sinalizar que, Maio de 68 pode, e deve, ser olhado, também, por este prisma.
Não lhe parece?
Zé Albergaria
Meu Caro Zé Albergaria,
Na verdade eu gostei do artigo, e li-o com muito agrado e até alguma nostalgia. O artigo está bem feito, sem dúvida. Nada de especial me move contra a Escola de Frakfurt.
Move-me sim algo contra um tal Herbert Marcuse, e os muitos Marcuses que porventura existem por esse mundo fora.
Também tive o meu Maio de 68, como muita gente, esse foi talvez o aspecto mais positivo do Maio de 68; cada qual teve o seu Maio.
Atentamente, um leitor devotado do blog.
António Eduardo Lico.
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