A RTP2, hoje, em horário nobre, passou uma reportagem, a vários títulos, eloquente e interessante.
Um produtor francês de Armagnac, da Borgonha e de vinhos franceses entrou no mercado chinês faz quase quinze anos.
Exportava o seu Armagnac e o seus vinhos para o imenso mercado chinês, mas não podia trazer as mais-valias financeiras realizadas para França.
Dedicou-se então a comprar, a importar para França, móveis antigos, rusticos, que decoravam e ocupavam pequenas casas de pequeno-burgueses fustigados pela revolução cultural (uns mortos; outros expatriados) - cujas casas foram abandonadas. Umas foram ocupadas por empréstimo. Outras foram mesmo "apossadas" em definitivo.
Estes móveis tradicionais, lacados, decorados com desenhos notáveis, estão a ser "comprados" e retirados das casas modestas, de bairros tradicionais das grandes urbes (a desaparecerem) e restaurados por uma pequena empresa chinesa, cujos 20 marceneiros especializadíssimos não têm mãos a medir: o mercado francês "engole" toda a produção.
Outro momento ímpar da reportagem: uma visita do nosso "franciú" a uma empresa de cerâmica tradicional. Começa por nos dizer que a visita é excepcional, porque os modelos que ali se fazem são monopólio dos clientes e não podem ser mostrados na fase de fabrico; as técnicas tradicionais aí utilizadas (a moldagem; o banho no caulino - o que lhe dá aquela brancura singular depois da cozedura; e os desenhos...) são guardados como segredos de estado. Os trabalhadores trabalham das 8,00h da manhã até às 22,00h. Têm duas horas para almoço e duas para jantar. Qualquer das refeições é por conta do patrão. Tem bilhar e televisão para se divertirem. Descansam ao domingo e acumulam, por cada mês de trabalho, dois dias de férias. Dormem em camaratas de vinte trabalhadores (homens e mulheres apartados; não há casais). Ganham o equivalente a 150,00€ por mês. Cada peça de cerâmica vende-se no mercado dos USA e na Europa a quarenta vezes o preço a que ela sai da fábrica!
O "patrão" chinês diz que não á ambicioso, mas que sonha com acrescentar NOVOS desenhos e padrões à sua cerâmica. Diz que o mercado é que manda. Neste momento tem 300 trabalhadores e expecta, no final do ano (pressão do mercado exige...) ter cerca de 2 000 concentrados no complexo fabril...que recorda o século XVIII e XIX europeus!...
O nosso "franciú" à medida que a câmara nos vai mostrando isto tudo, as condições de trabalho e vida dos trabalhadores - tem um comentário espantoso: "Em França já tivemos estas condições. Agora já não. Os chineses também deixarão de ter estas condições..." Quando? E a China não é comunista? Não são os trabalhadores que estão no poder? Não é a ditadura do proletariado?
Reportagem imperdível. Sugestão: deveria ser passada, também, na "escola de quadros" do PCP e discutida pelos "camaradas" Ruben de Carvalho e Vítor Dias, que, por estes dias, têm louvaminhado os sucessos e o bem fazer dos chineses e da China!
José Albergaria
2 comentários:
Os leitores que julguem: José Albergaria afirma a terminar este post que ele fala de realidades que deviam ser discutidas pelos«"camaradas" Ruben de Carvalho e Vítor Dias, que, por estes dias, têm louvaminhado os sucessos e o bem fazer dos chineses e da China!».
Ora, por junto,o que eu e Ruben de Carvalho realmente escrevemos ?
- eu escrevi um curto post onde dizia o seguinte :«Em boa verdade, não tinha previsto assinalar aqui o começo dos Jogos Olímpicos em Pequim, capital da República Popular da China. E fica desde já esclarecido que, coisa estranha dirão alguns, se o faço, é por causa de umas curtas palavras de José Manuel Fernandes em editorial no Público de hoje.
É que, reafirmando a minha vinculação a um projecto político de democracia e socialismo que dispensa a referência a qualquer modelo exterior e dele se diferencia e a minha distância profunda de muitos aspectos da realidade de países que ainda se reclamam do socialismo, não posso deixar de registar que, não sendo tudo nem apagando nada, José Manuel Fernandes se refere hoje à China escrevendo que «nenhum outro país retirou tantas centenas de milhões de pessoas da pobreza extrema». E pense-se o que se pensar do importante resto, isto não é pequena coisa.»
- além disto , sob o título (rigoroso e comprovado pelos factos) «Deslumbramento mundial» publiquei uma série de primeiras páginas de jornais de todo o mundo sobre a cerimónia de abertura.
- por sua vez, Ruben de Carvalho escreveu, a pedido do Público uma apreciação à cerimónia de abertura, não apenas com muitos pontos de contacto com a que Inês Medeiros escreveu como com o que foi escrito em todo o mundo sobre esse evento em si mesmo.
E a pergunta que agora importa colocar é esta: alguma destas três coisas pode ser equiparada a uma louvaminha dos «sucessos e do bem fazer dos chineses e da China».
Se pode, então Albergaria, quanto a mim, tem é de meter-se com o José Manuel Fernandes (autor da frase a que eu dei importância) e, quanto ao Ruben, tem é de meter-se com centenas de jornalistas e analistas «não camaradas» que em todo o mundo elogiaram a cerimónia de abertura.
Por estranho que possa parecer, a minha resposta É QUE, APESAR DISSO, PODE. Basta que a falta de escrúpulos se amantize com o preconceito anticomunista.
Os leitores que apreciem, pois o estilo, como dizia o meu amigo, não só faz o homem, mas também o personagem.
Lá vou ter eu de retirar o "louvaminhar", para que o Vitor Dias possa ir ao essencial do meu poste: "A cerãmica chinesa: o sistema económico, os direitos dos trabalhadores...o paraíso!"
Eu não tenho qualquer tipo de preconceito, à priori, só se estiver distraido...
Hitler, na Alemanha,com a sua batota económica, financeira, manipulação de masssas, autoritarismo e perseguição inhumana aos comunistas, aos socialistas, aos judeus, aos intelectuais, nos primórdios dos anos 30 do século passado também "retirou" milhões de alemães da miséria e colocou-os (como têm vindo a fazer as autoridades chinesas sob a direcção do Partido Comunista...)na classificação de classe média!
Isto é história pura e dura. Não há aqui uma réstea de inverdade ou preconceito. Estaline também atingiu méritos históricos que se podem compaginar com estes.
Mas, a pergunta, que eu deixo no ar: a que preço? como se faz tal maravilha de engenharia social?
Com dumping social. Está no meu poste. Com exploração desenfreada dos trabalhadores ao nível da pré-revolução industrial.
Os modelos dos bairros da Sacor e da Covina (que você bem conheceu...)no tempo do Salazar (e que duraram depois de Abril)comparados com o que vi ontem na RTP2 sobre a China (camaratas...e não só)podem bem ser equiparados a condomínios de luxo!
Isto, Vitor Dias, não é preconceito anticomunista ou falta de escrúpulo: é a realidade do socialismo real, que você bem conhece, mas no seu afã de procurar uma via original para o Socialismo (que não esteja em linha com NADA do que já foi feito, e destruido, e do que se está a afzer...)se sente obrigado, de quando em vez (à boleia do José Manuel Fernandes?!pois,claro, ele já foi maoista!)a buscar exemplos na China, hoje e, amanhã. em Cuba, e, depois de amanhã...mais não há.
Não é preconceito. É mesmo a certeza de que as propostas, já testadas em muitos países do mundo, dos comunistas, inspirados em Marx e no marxismo transformaram-se, como é sabido, em tragédias inenarráveis.
Movimentos generosos, que visavam libertar o Homem da opressão, da miséria, da indginidade, da incultura, transformaram-se, exactamente, no seu contrário!
Isto, a história já o demonstrou à saciedade, com rigor, com informação e, sobretudo, com resultados ignominiosos.
Quanto à China...
Bem, quanto a este "monstro" do extremo oriente...é só esperar até 2050.
Então falaremos.
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