sábado, julho 12, 2008

Ironia versus humor.

É neste número do ML, n.º 477 que vêm publicados, entre outros temas e assuntos, o debate entre Pierre Nora e Élie Barnavi e, ainda, o notável dossier sobre o Humor e, dalgum modo, a literatura.

Temos pano para mangas, frentes, costas, pernas, cóz, e eu sei lá quantas coisas mais!

Por exemplo, V. Jankélévitch, reflectindo sobre a relação dicotómica, redutora, no confronto entre ironia e humor é mordaz e taxativo:

" Parece-me, que, hoje, o verdadeiro problema filosófico não é a ironia, mas o humor. Posto que a ironia explora com virtuosidade, de acordo com um projecto bem determinado,o equivoco da linguagem, o humor, esse, não tem nem projecto fixo nem sistema de referência... A ironia é o talento duma consciência soberana, distanciada, capaz não apenas de brincar com as palavras, mas de brincar com os jogos de palavras!(...)O número da ironia é, no fundo, relativamente simples: ela satizfas-se em pregar uma rasteira fingindo fazer outra coisa diversa, fingindo ser o seu contrário ou simulando atalhos, mas nunca perdendo de vista o objectivo que se fixou; e cada vez mais ela baralha as pistas, mais se torna claro para onde ela vai, melhor ela sustenta a sua tese."

Este é todo um programa para a abordagem da ironia, em contraponto do humor, categoria filosófica muito difícil a definir, ou a isolar.Santo Agostinho de Ipona, quando o questionava sobre o Tempo (o que é o tempo?) respondia, sempre, do mesmo modo "Quando não mo perguntam, sei o que é; quando me exigem uma explicação, uma definição, o embaraço instala-se."
No mesmo dossier, o filósofo, A. Finkielkraut, coloca-nos perante uma situação de quase emergência duma nova barbárie atelada a uma "zombaria generalizada". esta tese é válida para França, como para Portugal. Veja-se o que ocorri com os Gatos Fedorentos (em pousio, mas ameaçam voltar) e, actualmente, com os Contemporâneos na RTP1, aos domingos. Os interditos, todos eles, caíram: faz-se "humor" com velhos, com atletas de mérito, com políticos, com autarcas, com jornalistas e, depois, convidam-nos para serem "achincalhados" em "directo" (Herman José foi o pai fundador desta zombaria - sem interditos!).
O filósofo AF faz uma reflexão deveras impressiva duma época, como o sustenta Mikail Baktine, linguista russo, que atravessamos uma em que "todos os dias são Carnaval"!
AF conta um episódio singular. Roland Barthes, linguista, semiólogo, francês, foi actor principal num filme, que eu não vi, de Erich Rhomer, Perceval. Filme este que emocionava, particularmente, Roland Barthes. Escreveu ele o seguinte:" Nas salas de cinema, o fumo do tabaco incomoda os espectadores. Por isso foi proibido e ninguém reagiu ou protestou. Mas os risos, que atrás de mim acompanham o filme, que me emociona, que eu amo, que eu admiro - nenhuma lei o pode proibir e, no entanto, eles ferem-me!"
O paradoxo, hoje, o riso bárbaro, nivelador, pretende-se subversivo. Uma das figuras do Canal + sugeriu, faz tempo, algo de curioso: "O jornalista, é a pertinência; o animador, é o impertinente."
Hoje, todos,ou quase todos, políticos, jornalistas, clérigos, professores, cientistas, desportistas, vergam-se, submetem-se à lógica da zombaria. Quando um realizador de TV "apanha" um deputado, na Assembleia Nacional (França), a dormitar, ou a procurar enquadrar-se com a câmara- o deputado torna-se ridículo e o Canal de TV passa a mensagem de que consegue desafiar o Poder. Jogo de espelhos e banalização do Poder!
Com este riso linchador somos reenviados às nossas origens. Somos projectados dentro da história em aceleração - que nos leva ao que Nietzche definiu como "o último homem", que já não ri, que pisca, simplesmente, os olhos.
JA

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