segunda-feira, julho 14, 2008

Em louvor da amizade: João Tunes e Edmundo Pedro.

Estive, faz tempo, contando pelos dedos das minhas memórias, a tentar recordar quanto tempo "vale" a minha amizade com o João Tunes: 42 anos!
É obra!
Ao João devo-lhe bastante. Devo-lhe o gosto "compulsivo" que tenho pela leitura; devo-lhe o meu espírito critico, que mantive ao longo da vida; devo-lhe o sempre ter cultuado a minha liberdade e independência de pensamento; devo-lhe a frontalidade com me envolvo nas coisas e no pensamento; devo-lhe um certo modo, talvez geracional, de encarar a amizade.
E devo-lhe, em bom rigor, a minha liberdade "tout court".
Em Dezembro de 1967, apareci-lhe de supetão em Campo de Ourique, aflito. Tinha a PIDE do Porto à perna e precisava de me bandear. Fui ter com o João: tratou de tudo! A 13 de Janeiro de 1968 chegava á gare de Austerlitz, em Paris. Ao João, fundamentalmente, o devo.
Do Edmundo Pedro sou amigo faz menos tempo. A nossa amizade terá, talvez, aí uns dez anos. Temos sido cúmplices dalgumas coisas e, eu, jovem nas minhas sessenta primaveras, tenho pelo Edmundo Pedro uma admiração, respeito e consideração sem limites. Creio que a inversa é verdadeira: Edmundo Pedro é meu querido amigo. Já tive provas insofismáveis de que assim é.
A semana passada juntámo-nos, uns quantos amigos, para festejarmos a amesendação da amizade. O Edmundo Pedro foi o anfitrião e o João Tunes participou também desse banquete da amizade.
O João decidiu assinalar no Água Lisa6 o acontecimento (foi desse poste que eu roubei a fotografia, que neste meu inseri).Temos falado, na blogoesfera, sobre esse tópico.
Decidi louvar, neste meu blog, a amizade que me une a esses dois homens de excepção, humanistas profundos e severos, sem falhas, o João Tunes e o Edmundo Pedro, recordando aquilo que já postei e relatando de seguida um episódio da minha amizade com o Edmundo Pedro.
Em Maio de 2007 telefona-me o Edmundo Pedro, dia 6 mais precisamente, dizendo-me: -" Olha, o Manuel Alegre está doente. Tinha-se comprometido a ir comigo, a Évora, apresentar o livro, mas a secretária telefonou-me a dizer-me que ele não está capaz de o fazer. Avanças tu." A um amigo nada se recusa! Ao Edmundo Pedro, em meu discernir, tudo se lhe deve.
Foi, portanto, sem dificuldade que me lancei na escrita duma modesta, á minha medida, apresentação" do 1.º Volume das memórias do Edmundo Pedro.
É esse texto, que então li, no Salão Nobre do Teatro Garcia de Resende em Évora, que aqui deixo:

"Évora
Teatro Garcia de Resende
8 de Maio de 2007
·Senhor Presidente da Câmara Municipal de Évora, Dr. José Ernesto de Oliveira;
·Caro Editor, Dr. Baptista Lopes;
·Caríssimo Edmundo Pedro;
·Caros amigos,
Aceitei apresentar o livro do Edmundo Pedro, com alguma emoção, mas, reconhece-o, com alguma irresponsabilidade.
Falar de Edmundo Pedro e do seu livro de Memórias e do seu combate incessante pela Liberdade, não é tarefa fácil.
Nas badanas do seu livro encontra-se, de modo preciso, o seu B.I.:
Edmundo Pedro;
Nascido a 8 de Novembro de 1918, no Samouco, Alcochete;
Filho de Margarida Tavares Ervedosa e de Gabriel Pedro;
Teve dois irmãos e, de um segundo casamento de seu pai, uma irmã, Gabriela, que muito estimava; Aos 15 anos foi condenado pelo tribunal militar especial a um ano de prisão; Em liberdade é eleito para a Direcção da Juventude comunista com Álvaro Cunhal; Foi novamente detido em 1936 e enviado para o Campo de Concentração do Tarrafal, criado por Salazar e instalado na Ilha de Santiago, no município do Tarrafal. Lá ficará 9 anos, em companhia de seu pai, Gabriel Pedro;Militante activo na Campanha de Humberto Delgado, em 1958, já fora das estruturas orgânicas do Partido Comunista, com quem já rompera;Em Janeiro de 1962 participou na tentativa insurreccional de Beja, vindo a cumprir 4 anos de prisão;Até ao 25 de Abril de 1974 mantém intensa actividade política;Em Setembro de 1973, a convite de Mário Soares, adere ao recém-criado Partido Socialista;Em 1974, no primeiro Congresso do Partido Socialista é eleito para os seus órgãos nacionais, nos quais se manteve durante mais de 15 anos;No verão quente de 1975 era responsável do aparelho de Segurança do Partido Socialista (esse facto trouxe-lhe agravos e ofensas, que ele, sofridamente, bem relata no livro que dedicou ao processo das “armas”);Foi responsável de TODA a logística que permitiu a gigantesca manifestação da Fonte Luminosa, a 19 de Julho de 1975, que iniciou o movimento de reversão do PREC para o modelo de democracia que hoje, felizmente, temos;Foi eleito deputado à Assembleia da República, em 1976, falhando, como teria sido seu direito, a Assembleia Constituinte. Aí esteve durante 11 anos donde saiu emocionado, homenageado por todas as bancadas. Destaco a referência sincera e encomiástica, em nome do Partido Comunista, celebrada pelo então deputado João Amaral;Foi Presidente da RTP entre 1977 e 1978, tendo iniciado aí um modo de gestão proficiente, promovendo um processo de modernização e de apetrechamento da Televisão Estatal. É de sua responsabilidade a aquisição do edifício da Av.ª 5 de Outubro. Ainda hoje, os mais velhos guardam saudades da sua gestão democrática, humanizante e, ainda assim, reconhecidamente eficiente.

Sobre o cidadão, a quem se pediu um retrato à la minute, estamos conversados… digo eu.Então, e o homem? Meus caros amigos, o Homem, esse, não cabe na minha palestra, porque MUITO GRANDE!

Edmundo Pedro tem um riquíssimo percurso de VIDA, de que dá notável testemunho nas suas MEMÓRIAS. Este primeiro volume de memórias reporta apenas 27 anos da sua excepcional existência e couberam em 550 páginas!Temos a promessa que os restantes 63 anos caberão em trezentas páginas. Isto é quase como tentar resolver a quadratura do círculo: impossível e improvável!

Mas falemos do seu livro e, ainda assim, da sua excepcional vida, num tempo que lhe foi dado viver! Na esquerda portuguesa, e mesmo na esquerda europeia não há uma tradição de produção memorialista, enxuta, escorreita, rigorosa.

Os exercícios dum Trotsky, dum Boris Souvarine, dum Victor Serge, dum Charles Tillon, dum Carilho, dum Roger Gauraudy (convertido ao Cristianismo e, posteriormente, ao Budismo), dum Pierre Daix, entre outros, foram sempre feitas com o objectivo de intervirem no debate político, do ajuste de contas com a História, ou com o propósito de diminuírem os seus adversários e concorrentes de combate partidário. Outros políticos optaram pela ficção, para discorreram sobre a memória do seu tempo. O caso mais flagrante e impressivo, na nossa história recente é a de Álvaro Cunhal…perdão, é a da Manuel Tiago que optou pela novela, pelo romance, pela critica literária e de arte para se “contar” e dar relato enviesado da sua vida porque, para ele, Álvaro Cunhal, o único herói é aquele mítico colectivo: o Partido!

O Edmundo Pedro optou por um caminho diferente. Na minha opinião, particularmente, difícil. O modo da escrita de Edmundo Pedro é feito em linha e, parece, a conselho de Joubert (citado por Barthes in “Incidentes”): “Não devemos exprimir-nos como sentimos, mas como recordamos.” Edmundo Pedro fá-lo, em minha opinião, exactamente, como Joubert o sugere! Na narrativa de vida do Edmundo Pedro não vasculhámos gavetas trancadas, não topámos esconderijos, não tropeçámos em cadáveres. Edmundo Pedro, pelo modo como se narra, os temas que elege, os episódios que sinaliza, o modo prudente, sóbrio e até o pudor que se pressente na sua escrita, torna-nos a nós, leitores, viajantes duma mesma viagem, cúmplices duma mesma causa, companheiros duma mesma demanda: a VERDADE!

Recordo-me, quando comprei o livro e o tomei em mãos senti-o pesado; percebi que tinha quase 600 páginas. Demorei alguns dias a iniciar a sua leitura, porque me parecia empresa que iria demorar o seu tempo. Puro engano! O livro de Edmundo Pedro lesse dum trago, em permanente alvoroço e dum modo apaixonado.Confesso-vos que tive a tentação de pensar que tal me tinha acontecido, porque, de algum modo, a meu modo e à minha dimensão, fui pequeno interveniente na luta contra o fascismo e sou amigo devoto e reconhecido do Edmundo. Hoje, sei que não tem a ver com os meus olhos, ou com os meus sentimentos particulares, antes tem a ver com a qualidade excepcional da narrativa memorialista e com a qualidade literária, ela também, da obra do Edmundo. Recentemente uma pessoa, que eu conheço, comprou o livro do Edmundo, mas sem a intenção de o ler, de o ler no imediato. Isto ocorreu, faz hoje 15 dias: a pessoa em questão já devorou quase 400 páginas e, segundo o seu testemunho, emocionada!

O modo como Edmundo fala do seu pai, Gabriel Pedro, personagem único na hagiografia comunista, como aborda os seus encontros e desencontros; o modo naturalista que elegeu para relatar o seu erotismo juvenil, como intercala esta dimensão na sua vida de revolucionário, não só o engrandece, como nos dá a nós, seus leitores, a medida exacta deste HOMEM de excepção. Que eu conheça e tenha lido, só um livro me parece poder aproximar-se desta escrita: a biografia de Pablo Neruda, que ele nomeou: “Confesso que vivi!”.

Mas, caros amigos, mais interessante do que estarem a ouvir-me perorar sobre o livro, mais ajustado para vós é LER as memórias deste SER de excepção que é o Edmundo Pedro.

Se me permitirem, três NOTAS mais - e finais:
1/ Creio poder afirmar que esperamos TODOS, ansiosos, pelo segundo volume das memórias deste enorme combatente pela Liberdade, farol que sempre alumiou a sua existência e a sua consciência de Homem e cidadão!
2/ Desejo que a saúde não lhe falte para poder concretizar aquele outro desafio de promover a Conferência Internacional em 29 de Outubro de 2007 no Tarrafal, de modo a podermos preservar ainda o que resta do Campo de Concentração.
3/ Creio que o Edmundo Pedro merecia uma Homenagem Nacional pelo muito que deu à Pátria. Sei que tal desiderato não será fácil, porque o Edmundo é um Herói sem Partido e um Mártir sem Igreja e, a estes, poucos serão os que ousam Homenagear. Penso que só um movimento de cidadania poderá tornar possível tal projecto. Assim saibamos porfiar!...

Quero terminar, com uma citação que cabe por inteiro ao Edmundo Pedro e pode resumir a sua vida de impenitente lutador de causas e da Liberdade:
“O único guia de um homem é a sua consciência; o único escudo da sua memória é a rectidão e a sinceridade das suas acções.” Wiston Churchill
Estou certo que esta acepção de Churchill pode bem funcionar como a legenda duma vida, da vida do Edmundo Pedro, toda ela dedicada à luta pela Verdade, pela Justiça e pela Liberdade!


Tinha-me proposto terminar, exactamente, aqui, mas a intervenção do Dr. Batista Lopes sugeriu-me um “incidente” ocorrido com o Deputado do CDS, Dr. Narana Coissoró, que se dirigiu, em tempos, nos corredores da Assembleia da República ao então deputado Edmundo Pedro:
“ Quero agradecer-lhe, porque não caiu na tentação de passar de perseguido a perseguidor…”.
Que melhor elogio, pode pretender um homem, para justificar a luta incessante duma vida?!...
Disse!"


José Albergaria

1 comentário:

odete pinto disse...

Que bem me fez à alma ler e sentir estas palavras escritas!

Obrigada.