Andoche Junot, maçon, entrou com as suas tropas em Lisboa. Vai fazer ou já fez 200 anos. Napoleão tinha sido coroado imperador pelo Papa da Igreja Católica, Apostólica e Romana. Maçon, Junot quis ser grão-mestre da maçonaria portuguesa, o que lhe foi recusado pelos maçons portugueses. Futuro rei de Portugal, como esperava e declara vir a ser, quis que na Maçonaria o retrato de D. João VI fosse substituído pelo retrato de Napoleão. A maçonaria portuguesa recusou. E que fez a Igreja Católica, Apostólica e Romana, perante este jacobino? Deu-lhe laudas e em pastorais dos seus bispos, aconselhou os fiéis a aclamaram-no, ajudando-o, denunciando e o mais que aprouvesse à hierarquia da Igreja. É Luz Soriano, na sua lucidez e rigor, que regista para o futuro as pastorais da ignomínia dos bispos-chave da hieraquia da Igreja Católica em Portugal. Recordemos alguns extractos. O cardeal patriarca de Lisboa, José Francisco de Mendonça, apela, na sua pastoral, a ler em todas as igrejas da cidade de Lisboa: "Não temais, amados filhos, vivei seguros em vossas casas e fora delas; lembrai-vos de que este exército é de sua majestade o imperador dos franceses e rei de Itália, Napoleão o Grande, que Deus tem destinado para amparar e proteger a religião e fazer a felicidade dos povos: vós sabeis, o mundo todo sabe. Confiai com segurança inalterável neste homem prodigioso, desconhecido a todos os séculos; ele derramará sobre nós as felicidades da paz, se vós respeitardes as suas determinações, se vos amardes todos mutuamente, nacionais e estrangeiros, com fraternal caridade".
É raro ler um texto com tanta hipocrisia, quando todo um povo começava a ser violado e violentado e as igrejas saqueadas.
Também o bispo do Porto, António José de Castro ( embora mais tarde se arrependa da pastoral da ignomínia e adira à Junta Patriótica do Porto), divulga entre os fiéis do seu rebanho: "Estas tropas que aqui vedes entrar, são nossas aliadas e pacíficas, e quam as manda entrar tem sido prevenido e armado por Deus de poder e sabedoria para as fazer entrar e para as saber dirigir a fim da nossa felicidade, e devemos seguramente confiar no mesmo Senhor que não seja outro o seu destino. Sim, o Immperador dos franceses e Rei de Itália, o Grande Napoleão, não poderia de outro modo servir-se de nós para aumentar a sua glória verdadeira, senão fazendo-nos felizes. Não é crível que na grandeza sem igual do seu coração, no ardente desejo da sua glória, pudesse entrar em Portugal para outro fim. Este grande imperador, elevado sobre o trono dos seus triunfos, tem unido a eles a glória de fazer dominar a nossa santa religião nos seus estados (...)
Os templos estão cheios destes militares que edificam, e que por tudo nos poem interiormente na necessidade de os amarmos como próprios filhos, e exteriormente na obrigação de darmos este testemunho público da nossa satisfação e do seu merecimento. Esperamos que este testemunho fundado já na experiência e conhecimento destas tropas religiosas, pacíficas e bem disciplinadas, vá servir não só para desvanecer aos vossos ânimos qualquer receio que vos pudesse causar a sua entrada, mas também para mostrar a obrigação em que estamos todos de praticar com elas todos os bons ofícios da caridade e de hospitalidade, como se fossem nossas próprias, e ainda mais por se acharem fora do seu país".
Trata-se é certo de uma encomneda de Roma, vinda do Papa que consagrara Napoleão como Imperador. Mas também não era necessário tanto exagero...
Por último, leiamos a pastoral de inconsútil patriotismo do bispo titular do Algarve, José Mátia de Melo, confessor privativo da louca D. Maria I : " É necessário ser fiel aos imutáveis decretos da divina providência e, para o ser, devemos, primeiro que tudo, com coração contrito e humilhado, agradecer-lhes e tantos e tão contínuos benefícios que da sua liberal mão temos recebido, sendo um deles a boa ordem e quietação com que neste reino tem sido recebido um grande exército, o qual, vindo em nosso socorro, nos dá bem fundadas esperanças de felicidade.
Este benefício igualmenmte o devemos à actividade e boa direcção do general em chefe que o comanda, cujas virtudes são por ele há muito tempo conhecidas. Lembrem-se que este exército é de sua majestade o imperador dos franceses e rei de Itália, Napoleão o Grande, que Deus tem destinado para amparar e proteger a religião e fazer a felicidade dos povos. Confiai com segurança neste homem prodigioso, desconhecido de todos os séculos; ele derramará a felicidade da paz, se respeitarem as suas determinações, e se amarem todos, nacionais e estrangeiros, com fraternal caridade. Deste modo a religião e os seus ministros serão respeitados, não serão violadas as clausuras de esposas do Senhor, e todo o povo será feliz, merecendo tão alta protecção".
O bispo do Algarve estava preocupadíssimo com a virtude das 'esposas do senhor' ( freiras em linguagem corrente). A subtância das três homilias tem uma raiz comum: a directriz do Papado para não molestar Napoleão, mesmo que Napoleão molestasse nações inteiras. A real politik do Vaticano consegue conciliar a conciliação com o Poder profano à hipocrisia da justificação do poder sagrado. Hoje como ontem...
Rogério Rodrigues
sábado, abril 12, 2008
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