(...)
Continuemos, pois, a transcrição da, em minha opinião, actualissima, quanto interessante, carta de AJS para Óscar Lopes.
"3.ª fase - o momento crítico (29 e 30 de Maio). A CGT e os outros sindicatos, com grande indignação dos estudantes, aceitam negociar com o governo e o patronato o fim das greves. Mas a base rejeita os acordos propostos pelos chefes sindicais. Há o pânico. O PCF decide politizar oficialmente as greves; a CGT organiza uma grande manifestação reclamando [um governo popular e democrático] de que os estudantes são excluídos (28 de Maio). No dia seguinte os estudantes, seguidos por muitos operários jovens e pela CFDT (autogestionária e de influência cristã...) organizam um comício em que se declara que a revolução está em marcha. Os políticos da oposição preparam um governo Mitterand-Mendés France, com participação do PCF. O De Gaulle partiu para Colombey (onde viria a falecer, mais tarde, depois de se retirar do Poder, em consequência da derrota que sofreu no referendum sobre Regionalização...). No dia seguinte golpe de teatro: o DE Gaulle declara num discurso trovejante que não sai (teria já assegurado apoio do general Massu - acantonado na Alemanha), dissolve o Parlamento, e mobiliza os gaulistas. Uma manifestação enorme dos gaulistas nos Campos Elisios (do grego: última morada dos heróis...)mostra que a guerra civil está à vista.
4.ª fase: O refluxo. Os políticos metem a viola no saco. Preparam-se para as eleições. O PC declara que é preciso ganhar as eleições. Os estudantes lançam o slogan 'elections-trahison'.Recomeçam as negociações dos grevistas com o governo, que os estudantes tentam impedir. No dia 7 de Junho a maior parte dos trabalhadores cessaram a greve. Mas há focos importantes (metalurgia, indústria automóvel, televisão).
Neste momento (8 de Junho), a polémica PCF-Estudantes atingiu o auge. Os estudantes tentam arrastar os grevistas restantes a bater-se com a polícia; l'Humanité chama-lhes 'provocadores'.
Este é o esquema, que te dá ideia das forças em presença: os 'revolucionários' (cujo núcleo é o movimento 22 de Março); o PCF, apoiado na maior parte dos sindicatos; e os gaulistas. Quanto aos 'políticos' da oposição burguesa, têm estado apagados.
As estratégias:Gaulismo: pretende reunir toda direita e centro (e os possíveis reformistas de esquerda) com o argumento de que uma ditadura comunista seria o desenlace de uma subversão do Estado. PCF: pretende tomar o poder pelas vias legais, com o apoio das classes médias de esquerda, convencendo a opinião de que é a única força capaz de manter a ordem contra os "enragés"; pretende por outro lado isolar os 'revolucionários'. Movimento 22 de Março e outros de extrema esquerda:esforçam-se por arrancar a base operária ao controle do PCF, lançá-la com os estudantes contra a força pública e provocar a formação de um 'poder paralelo' que substitua o poder existente (controle das máquinas por operários, etc, como já existe de facto o controlo da Universidade pelso estudantes). Os intelectuais, especialmente os cientistas e os artistas de cinema, têm tomado uma posição em flecha ao lado dos 'revolucionários'.
A Sorbonne, como te disse, é um meeting permanente. Não há aulas, nem exames. retratos de Mao-Tse-Tung, trotsky, Guevara, lenine. salas para os diversos grupos. Reuniões sobre todos os assuntos (problemas políticos, sexuais, artísticos, etc.) H, inclusivamente, uma sala reservada às 'minorités sexuelles'. Aberto a todo o público. Numerosos operários participam e tomam a palavra. Há comissões a trabalhar pela reforma das universidades. Os estudantes, exclusivamente, têm ali a responsabilidade da gestão, do 'entretien' e da ordem.
Personalidades: Só há duas: De Gaulle e o Cohn Bendit, um rapaz de 23 anos, anarquista. Foi expulso de França (é de nacionalidade alemã) mas dá conferências de imprensa na Sorbonne, perante milhares de pessoas.
Na Sorbonne e noutros sítios encontras uma literatura mural muito interessante, e para todos os gostos. A frase que me impressionou mais, e que dominava as paredes da Sorbonne nos primeiros dias é 'l'imagination prend le pouvoir'.
Logo que recebas esta, acusa a recepção e faz as perguntas que te apetecer.
Um abraço do Saraiva.
Acrescento que o começo disto foi, absolutamente, inesperado. Não havia agitação operária. recomeçava a expansão económica. Começava a reunir-se a conferência entre americanos e vietnamitas (a conferência de Paz para o Vietnam, entre americanos e vietnamitas, durou de 1968 a 1973). O De Gaulle preparava a viagem à Roménia."
Fim de citação
No entanto, ainda em Junho de 1968, em carta endereçada ao seu amigo de sempre Óscar Lopes, sobre o rescaldo do Maio, AJS, diz:
"Em resumo, o PCF (nas elições subsequentes ao Maio de 1968)perdeu perto de 3/4 dos deputados e cerca de meio milhão de votantes. A Féderation, ainda de Pierre Mendés-France (donde sairia o PSF de Mitterand, da rosa...)perdeu mais de metade dos seus deputados. Os gaulistas ortodoxos t~em a maioria absoluta. seguem-se-lhe, em número de deputados, os giscardianos (que estão à direita dos gaulistas, e não ao centro como dizem), o PCF, a Federação e os Centristas. Há um número considerável de gaulistas de esquerda. (...) O mais curioso é que o PCF perdeu uma parte do seu eleitorado nos seus bastiões tradicionais, como a chamada 'ceinture rouge' de Paris. Houve muitos operários que votaram gaulista. O operariado vota no PCF como um elemntoda ordem e não da revolução. (...) Não haja ilusões, a URSS, e com ela os PC's dos vários países, com poucas excepções, é um sistema burocrático e conservador. A idade mediana dso dirigentes políticos da URSS é (em termos cronológicos) a mais elevada dos dirigentes políticos do mundo. Um objectivo fundamental de um chefe político soviético é conservar-se no poder.
(...)O De Gaulle não se identifica com a burguesia nem com o exército. A ideia da participação dos operários nos lucros e na direcção efectiva das empresas (isto é na cogestão) é uma velha ideia dele que sempre teve a oposição do patronato e dos ministros. Desde os acontecimentos de Maio - este tem sido o grande temas dele. O Pompidou vai sair do governo porque se lhe opõe..."
Fim de citação.
Ora aqui estamos. Tenho muito pano para mangas, mas só vou começar o fato, amanhã.
JA
quarta-feira, abril 16, 2008
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