quarta-feira, abril 16, 2008

Maio de 1968: um epifenómeno.

Os textos de António José Saraiva são datados, são escritos a quente em relação aos acontecimentos,são do domínio da história imediata/do jornalismo e são feitos por um não especialista (nem sociólogo, nem historiador, menos ainda politólogo), mas são um testemunho como, em Portugal , haverá poucos!

Para consubstanciar a minha tese, servem-me, perfeitamente.

O que nos relata AJS?

Os actores da "revolta", os seus apoiantes e os "objectivos" que se foram transmutando, ao longo dos dias, mas não tiveram respostas, nem do ponto de vista "organizacional", nem do ponto de vista dos apoios: alianças com outros grupos sociais, camadas e/ou classes (todas estas categorias aceites e entendidas dum ponto de vista marxiano, entenda-se.)

Tudo o que AJS escreve ( não o que descreve, porque isso, tirante um ou outro pequeno pormenor, é do mais rigoroso que eu conheço no campo dos não historiadores...)é incipiente, não vai ao fundo das coisas (no livro que dedicou ao Maio de 1968 é mais elaborado, mas não se distingue muito do que aqui plasmou, para trocar com o seu amigo de sempre - Óscar Lopes)mas dá para perceber que estivemos perante uma imensa e desconcertante rebelião, que questionou muitos postulados (sobretudo do marxismo e da sua versão leninista sobre a revolução, sobre a luta e mesmo sobre as classes e a sua dinámica nas formações socio-económicas determinadas).

Por exemplo, AJS afirma que, em determinado momento, se esteve perto da guerra civil! Santa credulidade! Mesmo em 1870, aquando da Commune de Paris, não se esteve (Marx, lui-même, chama-lhe ensaio geral...), mesmo na Frente Popular de Leon Blum, nunca se esteve, nem perto da revolução, menos ainda da guerra civil!

AJS fala da exigência dos estudantes na "revolução total"; adjectiva os grupos que "floresceram" nessa sementeira de Maio,quais giestas de campina alentejana: maoistas, guevaristas, trotsquistas, situacionistas, anarquistas! Então era com este tipo de grupos (com projectos, cada um deles, quase sempre antagónicos e com lideres fortes e carismáticos: Geismar, Krivine, Sauvageot e etc.)que AJS pensava, acreditava, que se poderia dirigir os exércitos do Povo para subirem aos cumes do sonho e das madrugadas radiosas?!...derrubando os capitalistas e destruindo o velho aparelho de Estado! Incredulidade? Paixão? Devaneio? Detudo isto - um pouco.

Então, com esta profusão de grupos, sem um comando centralizado (tentaram várias vezes, em torno do 22 de Março, de Cohen Bendit, mas sem sucesso...), com inimigos poderosos como o PCF, o Governo, o Exército, a CGT e tuti quanti, como ter sucesso?... O quadro económico era de crescimento, a sociedade de consumo tudo submergia, as férias anuais eram uma realidade. Os franceses d'então tinham rotinas enquistadas:"boulot, metro, dodo!"

O que estremeceu, ao modo de Alberoni, da ruptura amorosa,que este compara a uma revolução social:milhares, às centenas de milhar, de jovens, estudantes, empregados, operários, deixaram jorrar o prazer da irequietude, da transgressão, moral, social, cultural, sexual, dos papéis sociais e etc.

Durante, mais dum mês, dias e noites bem contados, tudo, em França,nas grandes cidades, particularmente e com destaque para Paris, ocorreu uma "ruptura" amorosa!

Em Junho, as eleições provocadas por de Gaulle deram os resultados que AJS relata e que são mais do que óbvios.

Não houve carnificinas, não houve fusilamentos, nem prisões longas, houve algumas expulsões de estrangeiros, mas pouco mais. Tudo decorreu numa onda de ODI ET AMO, catuliano!

O que eu chamo, na minha tese, de epifenómeno, estrela cadente, que desaparece no ceú azul - sem deixar rasto, nem traços, menos ainda sulcos - acho, com honestidade, se pode utilizar para, sinteticamente, legendar o Maio de 1968.

Isso é pouco? Para quem viveu Maio com intensidade, paixão a escorrer, dia e noite, quem amou sob o luar do Sena e nos anfiteatros da Sorbonne, há-de viver, eternamente, com essas memórias.

Mas, do ponto de vista da história, dos fenómenos acontecimentais, aqueles que alteram o curso e o percurso dos homens, dos povos, das nações, das comunidades, das religiões, da Moral, nada, ou quase nada,muuito pouco sobrou do Maio de Paris, no ano de Deus de 1968.

Maio de 1968, além da efeméride, das comemorações revivalistas, o que nos deixou: na poesia, na ficção, na canção, nas belas-artes, no teatro, no cinema: quase coisa nenhuma!

Neste Maio, em 2008, comemoram-se 40 anos daquele outro, onde eu tinha 21 anos e todos os sonhos do mundo eram meus companheiros, onde bailavam cintilantes, em frente dos meus olhos "os amanhãs que cantam" e que, depois, pouco tempo após, começaram a desafinar, assumam, hoje, mais ainda do ontem: "Il est interdit d'interdire"! et "L'imagination au pouvoir"!

Aqui fica o meu preito de homenagem ao Maio, pode mesmo ser ao "meu" Maio de 68, que foi diferente de TODOS os outros...

JA

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